sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

SAIA JUSTA

O minivestido vermelho deu o que falar. Desde o youtube até programas de televisão, telejornais e ONGs com as mais diferentes bandeiras, as notícias a respeito de Geisy Arruda, 20 anos, pipocaram de todas as formas, provocando julgamentos dos mais variados. A estudante é a terceira dos quatro filhos de um casal de classe média baixa de Diadema, no Grande ABC paulista, e estuda o primeiro ano de Turismo na Universidade Bandeirante, Uniban, em São Bernardo do Campo. No dia 22 de outubro, Geisy, com o tal vestido vermelho, foi à Universidade e “centenas de estudantes, inclusive mulheres, a atacaram com palavrões, termos chulos e ameaças de agressão e de estupro” (R7, 30out2009).
Muitos classificaram a atitude dos estudantes como resultado do machismo cultural que está entranhado em homens e mulheres. A mulher foi julgada por sua aparência exterior e pouco importou, e ninguém quis saber, quem ela realmente é. Inúmeras pessoas disseram que aquela não era uma roupa própria para uma estudante e justificaram a violência mediante esse pensamento.
No caso de Geisy, o que teria acontecido se a polícia não tivesse chegado? Nada justifica a mulher sofrer violência, quer física, quer moral ou psicológica. É impressionante como ditados populares, piadas e brincadeiras em nossa cultura querem tratar como normal a violência contra a mulher. Existe até um ditado perverso que diz que “você pode não saber porque está batendo, mas uma mulher sempre saberá porque está apanhando”.
Um outro fator presente, não somente em nossa cultura mas ao redor do mundo, é considerar a mulher culpada por quase tudo o que acontece: se um filho der trabalho, se o marido a trair ou for dependente químico e se a família vive em estado de pobreza. Ela também será culpada se algum homem a abordar mesmo contra a sua vontade, se for estuprada por alguém, se algo der errado em algum objetivo da família, se for independente financeiramente ou também se depender do marido. São muitos os motivos para justificar a violência contra a mulher.
Precisamos ter uma pastoral de não violência de uma maneira geral, mas também especificamente em relação às mulheres. Nossos ensinos sobre família e relacionamento homem-mulher propiciam entendimento ou violência? Essa é uma pergunta pertinente e importante. Como educamos nossos meninos? Como orientamos jovens e adolescentes no trato com as mulheres de modo geral? Como trabalhamos a conscientização, auto-estima e solidariedade mútua das mulheres mediante a Palavra de Deus?
Quando Jesus atendeu à mulher que seria alvo de violência, o apedrejamento, por motivos justos aos olhos de seus algozes, ele perguntou quem não tinha pecado e poderia exercer aquela punição. Todos saíram e ele, o Deus perfeito, deixou-a ir livre, mudando o foco de vida daquela mulher quando lhe disse que não pecasse mais. Dali em diante ela não deveria agradar a si mesma ou a outras pessoas, em primeiro lugar, e sim agradar a Deus.
Palavras e ações de um coração cheio de compaixão, o mesmo sentimento que devemos ter diante de mulheres que sofrem qualquer tipo de violência.
(Publicado em OJB 06dez09)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

HAVERÁ UM CÂNTICO

Junto às torrentes frescas assentados,
cativos, tristes, pobres e humilhados
e sem vislumbre de consolação 
 
Na Babilônia, muitas vezes choramos 
quando, cheios de angústia, 
nos lembramos das glórias fascinantes de Sião
 
Nossas harpas estavam desprezadas, 
nos ramos dos salgueiros penduradas, 
mudas, sem vibração, quietas e sós,
 
Porque os soluços da tristeza infinda
e os dolorosos ais de certo ainda 
enchiam de temor a nossa voz.
 
Aqueles que cativos nos levaram
e as nossas tendas logo derrubaram, 
sem reparar a nossa humilhação, 
 
Para afligir-nos ainda mais, 
pediam que cantássemos e eles ouviriam 
os salmos e as cantigas de Sião.
 
Como, porém, podíamos, um dia, 
mudar nossa tristeza em alegria 
e transformar em riso a nossa dor? 
 
Mas inda assim, exaustos e abatidos,
calamos nossos íntimos gemidos 
e, humildes, bendizemos o Senhor .
(Salmo da Solidão, Jonathas Braga,  1908-1978).. 
 
Integrante do quarteto “fantástico” de poetas batistas, que inclui Mário Barreto França, Gióia Júnior e Myrtes Mathias, e que sempre cantaram em forma de poesia a nossa fé, Jonathas Braga, parafraseando o salmo 137, nos recorda da impossibilidade do povo escolhido de Deus cantar em meio ao cativeiro, quando lembrava suas casas invadidas,familiares mortos e cidades destruídas, e agora habitava em uma terra estranha, sem identidade e espacialidade. Mas não era só a dor que deixava sem a possibilidade do canto, mas também a lembrança de tempos felizes, sem volta e sem a infantil inocência de pensar que um povo escolhido não sofreria. Naquele momento, aquelas pessoas eram sós em sua dor.
Nossa caminhada de fé nos leva, mais cedo ou mais tarde, ao cativeiro, seja ele da dor física de doenças incuráveis, da destruição de relacionamentos importantes, da perda de emprego ou situações ministeriais ou profissionais que não se resolvem, do abalo na família provocado por acontecimentos inesperados, da mudança inevitável de lugar de moradia, da necessidade de deixar uma igreja querida e tantas outras.
Pode ser que as exigências externas sejam uma opressão a mais nesses tempos difíceis por causa  de atividades que não podem ser deixadas de lado ou de pessoas que continuam exigindo que sejamos do jeito que sempre fomos. Temos o desafio de continuar bendizendo ao Senhor, sabedores que a nossa caminhada com ele, em cativeiro ou não, é a nossa grande recompensa. Em momentos assim,  resta-nos cultivar a nossa fé, na esperança que um dia haveremos de cantar, como o povo de Israel  fez em sua volta à cidade de Sião:
“Quando o SENHOR trouxe do cativeiro os que voltaram a Sião, estávamos como os que sonham. Então a nossa boca se encheu de riso e a nossa língua de cântico; então se dizia entre os gentios: Grandes coisas fez o SENHOR a estes. Grandes coisas fez o SENHOR por nós, pelas quais estamos alegres. Traze-nos outra vez, ó SENHOR, do cativeiro, como as correntes das águas no sul. Os que semeiam em lágrimas segarão com alegria. Aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará, sem dúvida, com alegria, trazendo consigo os seus molhos” (Salmo 126). 
Publicado em OJB, 22nov09